A experiência de assistir a um filme indicado ao Oscar costuma carregar consigo a sensação de testemunhar algo maior do que o entretenimento. Não se trata apenas de enredos bem construídos ou atuações marcantes, mas de obras que conseguiram se inserir na conversa global sobre arte, cultura e sociedade. Porém, muitas vezes, títulos reconhecidos pela Academia acabam passando despercebidos pelo público, seja pela força do marketing de outros lançamentos ou pela falsa ideia de que “filme de Oscar” é sinônimo de narrativa arrastada. Na Netflix, escondidos em meio a sucessos comerciais, estão produções que carregam o selo da premiação mais prestigiada do cinema e que surpreendem por sua intensidade emocional e força criativa.
Explorar essas histórias é também um exercício de descoberta: perceber como diferentes vozes e estilos conseguem ganhar espaço em uma indústria frequentemente marcada por fórmulas previsíveis. Esses filmes trazem à tona personagens que desafiam padrões, narrativas que testam limites e sensibilidades que escapam dos clichês habituais. São dramas que abordam questões de identidade, obras que investigam os bastidores da criação artística, retratos de desigualdade social ou relatos de figuras históricas que moldaram caminhos de luta e resistência. Cada um deles, à sua maneira, carrega a marca de um cinema que provoca reflexão sem abrir mão do impacto narrativo.
Ao reunir essas produções, a proposta não é apenas valorizar o prestígio da indicação ao Oscar, mas revelar ao espectador como elas dialogam com questões humanas universais. São obras que nos lembram da vulnerabilidade da existência, da urgência da representatividade, da força da memória e do poder transformador da arte. Assistir a esses títulos na Netflix é uma oportunidade de resgatar filmes que, além de sua beleza estética, guardam uma relevância histórica e cultural incontestável. O sofá, neste caso, se transforma em sala de aula, confessionário e palco de emoções.
Rustin (2023), George C. Wolfe
Um ativista incansável luta para organizar uma das maiores manifestações pelos direitos civis nos Estados Unidos, enfrentando racismo, homofobia e a resistência de aliados que duvidam de sua liderança. Visionário e obstinado, ele constrói alianças improváveis, mobiliza milhares de pessoas e se recusa a ser silenciado por convenções sociais que o marginalizam. Em meio a pressões políticas e pessoais, a narrativa acompanha a solidão de carregar ideais tão maiores que sua própria vida. A força de seu trabalho, porém, ressoa como símbolo de coragem e persistência. O retrato não é apenas de uma figura histórica, mas de um ser humano que acreditava que justiça e dignidade não poderiam ser negociadas, mesmo diante do risco de perder tudo.
Blonde (2022), Andrew Dominik

Uma jovem órfã cresce marcada por traumas familiares e pela ausência de afeto materno, encontrando no cinema uma forma de escapar da realidade. Ao transformar-se em ícone mundial, vê-se aprisionada por uma imagem pública que pouco reflete sua essência. Entre relacionamentos abusivos, solidão e crises de identidade, ela tenta conciliar a figura perfeita que o público deseja com sua vulnerabilidade íntima. A narrativa alterna momentos de glória e desespero, revelando o contraste entre o brilho das telas e a escuridão da vida pessoal. Cada escolha, cada fracasso e cada triunfo expõem as dores escondidas sob o mito, construindo um retrato intenso de alguém que buscava ser amada além da persona que o mundo insistia em enxergar.
O Tigre Branco (2021), Ramin Bahrani

Um jovem nascido em uma vila pobre da Índia carrega desde cedo a consciência de que o destino parece traçado para os de sua casta: servir aos mais ricos e jamais contestar a ordem social. Com inteligência afiada e ambição voraz, ele consegue emprego como motorista de uma família influente, testemunhando de perto privilégios, hipocrisia e corrupção. Entre traições e humilhações, percebe que sua lealdade só o manterá preso ao mesmo ciclo de servidão. Em busca de ascensão, toma decisões radicais que o colocam em rota de colisão com tudo o que lhe foi ensinado. Sua trajetória é tanto um retrato de sobrevivência individual quanto um espelho cruel das desigualdades de um país em acelerada transformação.
Tick Tick… Boom! (2021), Lin-Manuel Miranda

Um aspirante a compositor de musicais enfrenta a pressão de ver o tempo passar sem alcançar o reconhecimento que tanto deseja. Prestes a completar trinta anos, divide-se entre um emprego exaustivo em um restaurante, um relacionamento em crise e a necessidade de provar seu talento em uma indústria implacável. Cada nova canção nasce de suas inquietações, da sensação de fracasso e do medo de nunca realizar seus sonhos. Enquanto amigos seguem caminhos diferentes, ele se vê obrigado a escolher entre segurança ou a coragem de arriscar tudo pelo que acredita. A história pulsa com a energia da criação artística, mostrando como o ato de transformar angústias em música pode ser, ao mesmo tempo, fardo e libertação.
Rosa e Momo (2020), Edoardo Ponti

Uma sobrevivente do Holocausto vive de forma discreta em um bairro humilde da Itália, cuidando de crianças em situação de vulnerabilidade. Entre elas, recebe um garoto órfão e problemático, acostumado a sobreviver pelas ruas e pela desconfiança. O encontro entre os dois é marcado inicialmente por desentendimentos, mas aos poucos se transforma em uma ligação profunda, onde ambos encontram consolo para dores antigas. Ela revive memórias que preferia esquecer, enquanto ele descobre o significado de confiança e afeto. A convivência revela que a fragilidade pode ser também uma forma de força e que a amizade, por mais improvável que pareça, pode ser a última esperança contra a solidão e o esquecimento.