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Thriller erótico subestimado com Neve Campbell está na Netflix e é mais inteligente do que você pensa

Thriller erótico subestimado com Neve Campbell está na Netflix e é mais inteligente do que você pensa

“Garotas Selvagens” é quase uma tese sobre o prazer de ser indecente num mundo obcecado por moralismo. Uma comédia erótica disfarçada de thriller que brinca com o próprio conceito de “baixo nível”. E o faz com uma convicção tão desavergonhada que acaba por se tornar, paradoxalmente, um exercício de inteligência. John McNaughton, que começou no horror com “Henry: Retrato de um Assassino”, parece aqui fascinado pelo oposto: a plasticidade do desejo, a estética do excesso e a manipulação como arte. O resultado é uma bagunça deliciosa, um filme que ri da sua própria ambição e, ao mesmo tempo, da nossa pretensão de julgá-lo.

A trama começa com o clichê do professor acusado injustamente de estupro, e parece seguir por um caminho previsível, daqueles em que a justiça triunfa, a verdade vem à tona e todos aprendem uma lição moral. Mas McNaughton não está interessado em lições; está interessado em jogos. A cada vinte minutos, o filme muda de direção como quem troca de máscara. O que era denúncia vira farsa, o que parecia vingança vira farsa dentro da farsa. É como assistir a uma ópera de mentiras, em que a verdade é o único personagem sem fala. Os corpos, no entanto, dizem tudo: cada gesto é um blefe, cada olhar uma chantagem, cada beijo uma transação.

Denise Richards e Neve Campbell são, nesse tabuleiro, dois arquétipos que se sabotam: a loira rica, reluzente e perversa, e a garota marginal, de cabelos escuros e olhar ferido, ambas reduzidas e ampliadas pelo olhar masculino que as transforma em fetiche, e, ironicamente, as torna donas do jogo. Não é o empoderamento que o feminismo moderno gostaria de ver, mas tampouco é o sexismo puro que se poderia supor. O filme se move num terreno ambíguo, onde o prazer é arma e o escândalo, método. A piscina que as une é o verdadeiro altar da encenação: ali, o desejo é coreografia, o poder muda de mãos, e o público se vê cúmplice de uma farsa irresistível.

Há quem o considere apenas um “thriller adolescente sujo”, e é, de fato, um pouco disso, mas também é um comentário ácido sobre a própria cultura que consome esse tipo de espetáculo. Cada reviravolta soa como uma paródia da expectativa de pureza narrativa: quanto mais absurdo o enredo se torna, mais clara fica a intenção de rir da lógica que nos faz buscar coerência moral na ficção. O cinema americano dos anos 90 adorava fingir que tinha um centro ético; Garotas Selvagensprefere mergulhar na lama e dançar nela, com salto alto e taça de champanhe.

Há, claro, uma beleza formal nesse caos. A Flórida filmada por McNaughton tem a luminosidade pegajosa de uma propaganda de resort, o tipo de brilho que parece esconder algo podre atrás da cortina de palmeiras. O erotismo é calculado, mas não gratuito: é parte da engrenagem da mentira. A música pop, o calor úmido e os uniformes escolares funcionam como adereços de uma fantasia moral em ruínas. E, entre uma reviravolta e outra, o filme se permite ser simplesmente divertido, coisa rara num gênero que leva a si mesmo a sério demais.

No fundo, ”Garotas Selvagens” é um delírio amoral sobre ganância, desejo e teatralidade. Sua força está justamente no que o torna “trash”: a coragem de abraçar o artificial. Enquanto tantos filmes se esforçam para parecer profundos, este se diverte sendo raso, e, de alguma forma, é aí que encontra profundidade. Porque há algo profundamente honesto em um filme que não finge virtude. Ele sabe que todo prazer carrega um custo, e que às vezes a mentira é o único modo de sobreviver num mundo que só perdoa quem finge pureza.

Talvez por isso, depois de tantos anos, ”Garotas Selvagens” continue tão irresistível. Não é um filme sobre a verdade, mas sobre a arte de disfarçá-la. E, convenhamos, pouca coisa é mais humana do que isso.

Filme:
Garotas Selvagens

Diretor:

John McNaughton

Ano:
1998

Gênero:
Crime/Drama/Erótico/Mistério/Suspense/Thriller

Avaliação:

8/10
1
1




★★★★★★★★★★



Fonte

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