Quem não recebe a graça de nascer com o espírito já blindado pela força da resiliência, propriedade da física que, aplicada aos seres humanos, define o quão inabaláveis podemos mostrar-nos frente aos choques, precisa começar rápido sua busca por esse atributo misterioso, mas que será de importância cada vez maior. A todos assiste o direito de, em não arruinando a vida alheia, cometer todas as insânias que quiser e conseguir, mas há aquelas pessoas que, marcadas pelo infortúnio, não conseguem escapar da desdita nem quando estão só tentando sobreviver. Anna Gutto arranha uma reflexão a esse respeito em “Crime na Rodovia Paraíso”, compondo um retrato lúgubre do tráfico de pessoas. Em seu primeiro longa, a diretora-roteirista vale-se do suspense para denunciar a terrível mazela da exploração sexual de menores, suavizando a tensão à medida que leva os personagens por uma lenta jornada pelo sul dos Estados Unidos. Mas Gutto quer mais — e isso é um problema.
“Crime na Rodovia Paraíso” é um tratado sobre as solidões, no plural. Sally acostumou-se a ser sozinha, mas está cercada de gente, nem que seja a quilômetros de distância. Ela fala com outras caminhoneiras pelo rádio, observa o movimento, calcula quantas horas mais terá de dirigir, e isso a mantém longe dos problemas da vida real, pelo menos até que eles a atropelem. Ela tem um irmão prestes a sair da cadeia em liberdade condicional, e é por ele que o filme começa. Dennis é coagido a realizar serviços sujos para a facção que manda na penitenciária e a mais nova encomenda é levar um certo pacote do Mississípi para o Arkansas. Competente, a diretora passa a mover a história em torno da protagonista, apostando que Sally arraste o público para o centro do conflito. Claro que para tanto é preciso uma atriz que una versatilidade e obstinação, dois atributos de Juliette Binoche.
Sally supunha que fosse transportar uma carga de entorpecente ou um lote de contrabando, mas esperava por ela uma garota de dez ou doze anos, a ser entregue como uma mercadoria para chefões da máfia internacional. Binoche desvenda os enigmas da personalidade nebulosa de Sally, iluminando a tristeza da anti-heroína com gestos calculados. Ela está resolvida a encarar a missão com toda a frieza que puder, cortando qualquer esforço de aproximação da menina, até que as duas são obrigadas a peregrinar juntas, depois que Leila mata o bandido que a iria despachar. Gutto urde um conto sobre almas que esfacelam-se, apontando para uma das razões: o apodrecimento das instituições, geridas por autoridades negligentes. Gerick, um agente aposentado do FBI, e Finley Sterling, recém-admitido na corporação, representam uma esperança para o niilismo de Sally, e Morgan Freeman, como sói ocorrer, acresce mais alguns tons de profundidade e sentimento à trama. Sua parceria com Cameron Monaghan é tão azeitada que chega a ofuscar a relação maternal das personagens de Binoche e Hala Finley, uma estrela em franca ascensão. As cenas em que Sally aparece guiando seu caminhão azul-turquesa podem ser vistas como uma insuportável barriga pelos mais afoitos — e pelos fãs de Frank Grillo —, mas conferem um inesperado lirismo, emoldurado pela paisagem agreste que a fotografia de John Christian Rosenlund realça. “Crime na Rodovia Paraíso” é um grande filme, embora peque pelo excesso.
Filme:
Crime na Rodovia Paraíso
Diretor:
Anna Gutto
Ano:
2022
Gênero:
Drama/Suspense
Avaliação:
8/10
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Giancarlo Galdino
★★★★★★★★★★
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