Diogo Vilela se repreende ao enfileirar, logo de cara, toda sorte de reclamações. Mas ele imediatamente pondera que “tem que ser assim”. Para início de conversa, o ator avisa que não sabe fingir placidez enquanto um emaranhado de poréns se acumula sob os tapetes. Por isso, o artista fala, fala, fala — e tira o véu dos próprios reveses sem qualquer melindre.
O carioca de 67 anos (e mais de cinco décadas de carreira) afirma que jamais conquistou “tranquilidade”, sobretudo na profissão. Sem trabalho fixo na TV ao longo dos últimos anos, ele tem lotado teatros de diferentes cidades, há mais de oito meses, com uma elogiada montagem de “O bem-amado”, de Dias Gomes.
A adaptação bem-sucedida — que levou, há duas semanas, mais de mil pessoas à principal tenda da Festa Internacional do Teatro de Angra, numa edição do evento em homenagem ao artista — segue em cartaz sem qualquer patrocínio. A labuta, não à toa, é recorrentemente citada como luta pelo ator, intérprete do protagonista que dá título à peça. Se encontra o sucesso, como é o caso agora, Diogo diz que venceu. Mas ele nunca se anima muito.
— A cultura no Brasil tem um carma grande a ser resolvido. Há sempre a coisa da dificuldade eterna, independentemente da ideologia do governo. Aí falo: “Ah, não vou mais reclamar”. Que nada. Vou falar, sim. Tenho que reclamar — sublinha.
Na entrevista a seguir, Diogo relembra o início da carreira na infância — época em que abandonou o nome de batismo José Carlos Monteiro de Barros, aos 11 anos — e analisa seu afastamento recente da TV, num processo que ele acredita ser fruto de uma mescla entre escolhas pessoais e “má compreensão” alheia.
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Estrela de trunfos da comédia, entre os quais os programas “ TV Pirata” (1988-1992) e “Toma lá, dá cá” (2007-2009), o artista crê que o humor se extinguiu — das telas, do mundo, da vida. E mais. Para ele, o próprio ofício de ator também sofre, aos poucos, um irreversível processo de fim.
Você recebeu uma homenagem pela sua carreira no Festival Internacional de Teatro de Angra. Hoje o que significa tal reconhecimento?
É muito emocionante receber um tributo desses, principalmente porque a peça que estou apresentando agora (“O bem-amado”) não tem apoio. Tivemos patrocínios negados com a justificativa de que o espetáculo falava de política. É mais um exemplo de arte vencendo as dificuldades no país. Já estamos há quase um ano em cartaz. Só continuo porque o público comparece. E também graças à união de toda a equipe. Mas luto contra o carma da cultura no Brasil há 50 anos.
As cinco décadas de carreira não trazem alguma tranquilidade?
Em minha vida, não há tranquilidade. Nunca sei o que vai ser. Vou buscando maneiras de sobreviver, porque sobrevivo deste trabalho. Graças a Deus, consigo estar sempre em cima. O problema é que o país ignora a cultura, como ignora as escolas, e fica criando leis que a gente nunca recebe, entende? Por isso, somos uma nação tão violenta, que prefere os crimes à cultura. Desculpa, mas eu vou reclamar.
Como se mantém “O bem-amado” sem o patrocínio de instituições?
Não temos nada, nada, nada. A gente cotiza os custos, e o que recebemos de volta é irrisório. Minha reclamação é uma constatação: existe uma dificuldade geral no país de compreender que artistas precisam viver de seus trabalhos dignamente. No último governo, isso foi “printado”. Parece que a gente não merece ter salário ou que somos pessoas duvidosas. Olha o absurdo que é a Angela Ro Ro morrer à míngua. Temos de sair desse subdesenvolvimento. Temos que ficar revoltados, gritar, falar. Não somos mais saltimbancos.
Antes de “O bem-amado”, você estrelou uma montagem de sucesso de “O pagador de promessas”, também de Dias Gomes, e igualmente com um viés sociopolítico. Não é uma coincidência, certo?
Estou atrás de personagens que permitam envergar meu trabalho. E gosto da dramaturgia brasileira. Temos muitos bons autores. A gente só não os monta porque não tem dinheiro. Viramos o país dos monólogos.
Acha que isso também reflete o aumento do número de peças com artistas falando de si?
É o teatro do depoimento, né? Não é muito a minha linha, mas é algo aceitável, e que gera identificação. Mas longe de mim. Gosto de coisas que não tenham nada a ver comigo. Acho que o teatro é transformação. Trabalho para mostrar às pessoas como elas sentem as coisas.
Sente que o ofício de ator sofre uma mudança, aos poucos?
Onde o teatro é pobre, não existe dramaturgia. E digo pobre sem ser pejorativo. É pobre de produção. As peças importadas da Broadway são muito bem-vindas para o público porque são cópias de uma coisa que deu certo. Mas representam uma exceção. O teatro da prosa e do verso empobreceu muito no Brasil. E é por isso que as pessoas estão fazendo depoimentos pessoais no palco. Claro que há muita gente fazendo isso muito bem. Mas acho que faltam opções. E, pela minha experiência, tenho reparado como o público gosta de boas dramaturgias. O que mais ouço após as sessões de “O bem-amado” é: “Muito legal ver uma peça mesmo”. O que é uma “peça mesmo”?
Você criou uma persona artística aos 11 anos, quando abandonou o nome de batismo, José Carlos Monteiro de Barros. O gosto pela transformação, como ator, vem daí também?
Sempre serei José Carlos. Ele é o leitmotiv de minha persona artística. Mas, uma vez instituída, essa persona me deu força. E tenho que sustentá-la. Isso surgiu quando fui fazer a novela “ A ponte dos suspiros”, em 1969. A produtora achou meu nome muito grande. E aí uma tia, que entendia de numerologia, chegou a esse nome de Diogo Vilela.
Desde então, ninguém mais o chama de José Carlos?
Em órgãos públicos ou exames médicos, me chamam desse jeito. É engraçado, porque o atendente dá aquele grito: “José Carlos!”. Aí levanto, todo mundo me olha… E fica aquele clima esquisito (risos). Parece teatro do absurdo. Antes, eu ficava me justificando. Mas agora já estou cansado de me explicar. Só falo assim: “Sou eu mesmo, tá? Tenho dois nomes”. E acabou aí.
Você iniciou a carreira na infância. Lembra-se do momento em que surgiu o interesse pela profissão?
Meu primeiro contato com as artes foi meio onírico, indo a uma ópera. Quando vi o espetáculo encenado, a iluminação, o cenário, aquilo me tomou. Foi uma percepção muito forte, e me recordo disso até hoje. Mais para frente, meu pai me deu um teatro. Ele era engenheiro e construiu um teatro numa das salas da casa que a gente morava, no bairro de Vila Isabel, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Tive a sorte de ter uma família que me impulsionou para a minha carreira, ainda que de um jeito inconsciente.
Você cita o deslumbramento com a ópera… Sua trajetória acabou absorvendo também um forte lado musical. Você buscou essa versatilidade?
Pois é, tenho essa viagem para a música, tanto que já fiz vários musicais — e sigo fazendo. Sabe quando você sente que há espaço ali? Nunca quis ficar fazendo apenas uma coisa. Não queria ser só um comediante. E poderia ser! Fiz muito humor na televisão, e era algo que dava certíssimo. Mas, pela paixão que tinha pelo teatro, pelos clássicos e pelos musicais, pensava que não podia ficar engessado, porque me sentia com condições de realizar outras coisas. Talvez tenha tomado decisões erradas e hoje minha vida estivesse de outra maneira. Quem sabe não teria me tornado um grande comediante de TV? Sei lá, entendeu?
Pensa muito no que poderia ter sido? É saudosista?
Não sou nada saudoso. O saudosismo me deixa estacionado, matutando demais, e eu não gosto de ficar parado. Só penso na frente e no momento presente. Quando as pessoas me lembram de coisas do passado, como é o caso agora deste nosso papo, fico feliz. E aí penso: “Nossa Senhora, tenho 67 anos”. Parece que já completei 90 anos de teatro, porque comecei muito cedo.
Sente falta de fazer mais trabalhos em televisão?
Acho que a TV não me compreendeu como artista. Foi muito bom, para mim, enquanto estive presente. Não sinto falta, só não entendo muito o porquê (ele se interrompe). A verdade é que sempre quis fazer teatro também, e não me dediquei às novelas. Acho que a culpa também foi minha, tá? Acho que acabei me desconectando. Parece que não pertenço a esse universo, sabe? Não me sinto pertencente. Mas eu pertenço, sim, de uma certa forma.
Mas estaria aberto a voltar à televisão, certo?
Ah, como não? Todo ator quer um bom papel. Olha só a Debora Bloch, minha amiga, maravilhosa, mostrando que é boa atriz em “Vale tudo”. Perguntar se quero um bom papel é a mesma coisa que me questionar se quero ganhar na loteria. Claro que quero.
Dos últimos anos pra cá, parece haver um apagão do humor na televisão aberta. Como avalia esse cenário atual?
O humor acabou no mundo. A verdade é esta. Hoje a gente só ri de trejeitos na TV.
Por que você acha isso?
O ser humano não tem mais empatia, e o humor tem a ver com empatia. O mundo deu nisto. As pessoas prezam o politicamente correto, mas não o exercitam no dia a dia… Talvez numa cena de teatro, numa dramaturgia, o humor ainda exista, tanto é que todo mundo morre de rir do Odorico Paraguaçu, em “O bem-amado”. E os stand-ups estão aí, com um valor grande…
Voltando ao que você citou, acha que a ausência de empatia no mundo enfraquece as artes?
Quando o homem é destituído de sua essência, o teatro sofre. O mundo em que a gente vive não pensa mais no ser humano como o centro da questão, e sim num fantasma chamado Inteligência Artificial. Isso cria uma fantasmagoria. Minha única alegria é que, no teatro, não tenho “IA”. Pelo menos, por enquanto.
O que acha das redes sociais e do novo universo de “influenciadores digitais”?
Impossível não acompanhar. É uma coisa muito forte. Está aí um mundo fantasmagórico, como já disse, e que prescinde de talento. E onde não há talento, qualquer coisa pode ser, né? O que existe, nesse universo, é justamente influência, personalidade. E talento não vem de personalidade. É um mundo fácil. Sinto que as pessoas compensam a solidão com essa fantasmagoria da hiper-exposição, porque elas nunca se sentem completas. Veja que muitas delas têm um destino trágico. É uma coisa horrorosa e bem baixo-astral. Não gosto.
Você é uma pessoa pública há mais de 50 anos e sempre manteve sua intimidade preservada. É difícil?
Nunca tive dificuldade, pois não gosto de ficar falando da minha vida pessoal. Não perteço a este mundo aí. E não é porque tenho algo a esconder, sabe? Nada disso. É porque realmente não tenho nada para falar de mim. Nunca tive necessidade de “aparecer” como pessoa. Não tenho uma carência de querer ser famoso. Jamais cultivei algo assim. Acho isso uma mediocridade.
A fama nunca mexeu com a sua vaidade, de nenhum jeito?
A fama, para mim, veio como luta, e não com a minha exposição. Quando ela chegou, eu já estava tão exausto… Só quis brindar e falar: “Graças a Deus”. E pronto. Trata-se de outro tipo de conquista.
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