Nordeste Magazine
Cultura

Com Denzel Washington na Netflix, um filme inesquecível que você vai querer ver duas vezes

Com Denzel Washington na Netflix, um filme inesquecível que você vai querer ver duas vezes

Um advogado de defesa idealista enfrenta um sistema que recompensa a pressa e a negociação, e pune hesitações com perda de casos e de espaço. Em “Roman J. Israel”, Denzel Washington interpreta o profissional que tenta manter princípios enquanto a rotina o empurra para atalhos, contradições e risco crescente. A narrativa se passa em Los Angeles e acompanha decisões que encurtam prazos, ampliam a exposição e reordenam o perigo. O elenco principal reúne ainda Colin Farrell e Carmen Ejogo, e a direção é de Dan Gilroy, que conduz o avanço dramático pela cadeia de causa e efeito produzida por cada ato do protagonista.

O ponto de partida é uma pequena banca criminal onde o personagem prepara petições, cruza jurisprudência e sustenta, há anos, um memorial de reforma contra o uso indiscriminado de acordos. Quando o sócio que fazia a ponte com os tribunais sofre um colapso e o escritório fecha, a rotina invisível deixa de existir. O advogado precisa decidir entre insistir no trabalho mal pago, porém alinhado à sua agenda de mudança do sistema, ou aceitar a oferta de George Pierce, ex-aluno do sócio e hoje chefe de uma grande firma voltada a fechar negociações. Ao entrar nesse novo ambiente, o conflito muda de natureza, porque ele passa do bastidor para o contato direto com clientes e promotores, onde cada resposta tardia custa segurança e futuro.

Dentro da firma, o objetivo imediato é proteger um jovem preso preventivamente de um acordo ruim. O advogado tenta impor tese e recusa um acerto considerado padrão. A tentativa não apenas falha como produz consequência direta, o rapaz perde proteção e o perigo à vida dele aumenta. A partir desse baque, a culpa deixa de ser conceito abstrato e vira cálculo concreto, o que reposiciona o protagonista. Ele busca compensar o erro, o relógio encurta e o risco se expande para além de um caso, alcançando reputação e possibilidades de emprego. O tempo dramático passa a ser contado em telefonemas, audiências e compromissos que, somados, empurram o personagem para escolhas cada vez mais custosas.

A entrada de Maya Alston, ativista que enxerga no advogado uma memória viva de lutas, reabre o objetivo maior, tirar do papel o memorial que atacaria a barganha em massa. A relação apresenta um caminho de mobilização, com palestras e reuniões que transformam discurso em tarefas. Só que a pressão do novo emprego e a sedução de um conforto tardio o levam a testar um atalho. Em vez de avançar pelo debate público, ele usa informação privilegiada para obter recompensa financeira. A decisão o torna de imediato vulnerável. De defensor rígido, passa a alguém com algo a esconder, dependente do silêncio alheio e exposto a chantagem. Cada gesto para usufruir do dinheiro, do terno novo ao aluguel mais caro, destaca o contraste entre a figura respeitada pelo rigor e o segredo que corrói essa imagem.

Quando percebe o tamanho da armadilha, ele tenta corrigir a rota. Devolve o ganho indevido, retoma o projeto de reforma e decide informar as autoridades sobre a falta. Essas medidas reconfiguram o tabuleiro, porque limitam a margem de quem poderia explorá-lo e reabrem pontes com Pierce e com Maya. O risco, porém, aumenta. O reconhecimento da falha ameaça carteira, liberdade e legado, e ainda elimina a única proteção concreta que ele possuía, a opacidade da origem do dinheiro. As próximas ações passam a combinar confissão, cálculo jurídico e exposição pública, sempre com consequências imediatas no tratamento que recebe no escritório e nos corredores do fórum.

As escolhas de encenação alteram informação e ponto de vista. Quando o personagem migra do cubículo silencioso para salas envidraçadas, o enquadramento amplia a profundidade e inclui deslocamentos que interferem no diálogo, com prazos e números atravessando a conversa e comprimindo o tempo disponível. Em audiências e chamadas, a câmera cola na escuta do protagonista e restringe o conhecimento do público ao que ele captura, o que torna visíveis equívocos e precipitações. A música de James Newton Howard aparece como som direto nos fones que ele usa, isolando ruídos de corredor e criando bolha auditiva em momentos que exigem cooperação. A montagem acelera transições depois da chegada ao grande escritório, comprimindo dias em blocos de tarefas e explicitando um mundo em que fechar acordo vale mais que sustentar tese diante do juiz.

Os diálogos informam objetivo, obstáculo e virada. Ao contestar a linguagem pragmática de colegas, o protagonista não apenas debate valores, ele revela que a firma mede mérito por número de negociações concluídas, e isso define o obstáculo institucional à sua agenda. Em conversa com a promotoria, a rigidez encurta a reunião e produz recusa, elevando o risco do cliente. Nos encontros com Maya, o idealismo recebe contrapeso prático, transformar a pauta do memorial em mobilização, o que reposiciona o foco para ações possíveis. Com Pierce, embates que começam na filosofia desembocam em logística, prazos, custos e impacto reputacional, e cada rodada altera o passo seguinte do caso e a exposição pública do advogado.

As atuações deslocam o sentido de cena. Denzel Washington compõe um homem de memória prodigiosa e hábitos fixos que tropeça no corpo a corpo e floresce diante de um texto jurídico, o que muda a leitura de cada ambiente. Em salas cheias, a postura fechada reduz sua autoridade social e amplia o obstáculo; no gabinete, o foco obsessivo ilumina detalhes processuais que os demais ignoram e antecipa informação que pesará adiante. Colin Farrell modula George Pierce do cálculo à disposição real de sustentar causas, criando uma janela curta de cooperação na reta final. Carmen Ejogo dá a Maya uma escuta que vira ação, reunião e proposta concreta, convertendo estímulo em direção para o memorial, com efeitos sobre a autoestima do protagonista e sobre a chance de reparar danos.

O avanço da trama coloca o advogado diante de uma encruzilhada sem retórica. Ao escolher encarar em público a consequência do atalho e reconhecer a própria falta, ele reduz proteções e acelera o confronto com quem lucra com o silêncio. O risco deixa de ser apenas institucional e ganha corpo imediato. A consequência factual é a exposição total, com possibilidade real de perda de liberdade, interrupção de carreira e ruptura de alianças. Nesse ponto de maior risco, a pergunta que sustenta o interesse não é se ele vence ou perde, e sim quanto custa preservar algum sentido de coerência quando a reparação exige sacrificar a própria segurança.

O saldo dramático se mede por objetivos claros e rastreáveis. Evitar a injustiça num caso específico, fazer avançar um memorial contra a negociação automática e manter íntegra uma biografia de militância. Cada obstáculo institucional, cultural e financeiro o empurra para atalhos de alto preço. As viradas decorrem de ações verificáveis, aceitar o emprego que exige concessões, insistir em tese contra a maré, violar a própria regra usando informação indevida, tentar reparar e se expor. Decisões visuais, ritmo de montagem e desenho de som entram apenas quando mudam foco, percepção de tempo e volume de informação disponível, sempre subordinados ao encadeamento prático de causa e efeito. No ponto de maior risco, o dilema permanece em aberto, porque reparar o erro pode custar a liberdade, e calar preserva o corpo, mas destrói o projeto que sustentou cada petição escrita até ali.

Filme:
Roman J. Israel

Diretor:

Dan Gilroy

Ano:
2017

Gênero:
Crime/Drama/Suspense

Avaliação:

9/10
1
1




★★★★★★★★★



Fonte

Veja também

Aventura épica medieval com Nicolas Cage no Prime Video

Redação

Novo filme do Prime Video mistura comédia, mistério, reviravoltas e crime sob o sol da Itália

Redação

Magnífico, filme sobre algoritmo e afeto te convida a repensar o livre-arbítrio no Prime Video

Redação

Leave a Comment

* By using this form you agree with the storage and handling of your data by this website.