Baseado no clássico da literatura canadense de Louis Hémon, publicado em 1913, “A Escolha de Maria”, lançado em 2021, dirigido por Sébastien Pilote, é uma das várias adaptações da obra para os cinemas. A história acompanha Maria Chapdelaine, uma garota de 16 anos que vive com sua família de colonos em uma região rural de Quebec, no início do século 20. Vivendo afastados da comunidade, o contato deles é com as poucas pessoas que ousam atravessar as inúmeras barreiras naturais para chegar até a fazenda. Além de o lugar estar cercado pela floresta, o inverno é rigoroso e dura quase o ano todo, sendo que as outras estações são curtas demais até para plantar e colher.
Viver onde a família de Maria mora é uma verdadeira prova de resiliência. Além da solidão e do isolamento, o frio exige constantes sacrifícios físicos, disciplina e resistência. Como colonos agrícolas, o trabalho se concentra basicamente em derrubar árvores para abrir clareiras; arrastar toras para tornar a terra cultivável; preparar o solo para o plantio; e reforçar a casa com madeira.
Com poucas pessoas orbitando em torno da família, Maria é a única jovem em idade para se casar na região, despertando o interesse de três jovens: François Paradis, um rapaz de espírito livre, caçador e viajante. Ele desperta imediatamente o interesse romântico de Maria, a quem promete retornar, após trabalhar e juntar dinheiro, para se casar. Há também Eutrope Gagnon, vizinho e amigo da família, agricultor, que constantemente dedica gestos de serviço a Maria como demonstração de seu afeto. É generoso, paciente e respeitoso. Já Lorenzo Surprenant é um rapaz da região que vendeu suas terras e se mudou para os Estados Unidos. Tem pensamentos de modernidade e oferece a Maria uma vida mais confortável e prática.
Cada um dos pretendentes simboliza a escolha do destino do povo franco-canadense. Hémon cria uma metáfora, através de sua obra, para tratar do mito da terra e da colonização, tema recorrente de autores de diversos países da América, como Érico Veríssimo fez em “O Tempo e o Vento”, Guimarães Rosa em “Grande Sertão: Veredas” e John Steinbeck em “As Vinhas da Ira”. Todas essas obras expõem o dilema coletivo de ficar ou ir embora, lutar ou se entregar, preservar ou abandonar. A decisão de Maria, obviamente, afetará o destino de sua família. Afinal, se ela escolher ficar com Eutrope, sua escolha se alinhará aos objetivos do pai: continuar trabalhando na fazenda, sendo fiel à terra natal e criando uma identidade e local de pertencimento. Se escolher partir com François ou Lorenzo, estará rompendo com a tradição e se desligando de suas raízes.
Ficar, permanecer, é mais difícil do que partir. Há muito mais dificuldades a serem superadas caso a escolha seja permanecer com os pais. O clima duro, o local isolado e a floresta, que representa um obstáculo físico. É preciso derrubar as árvores para que se possa construir, plantar, viver. O trabalho é árduo e exige perseverança para a sobrevivência.
Se para uns o filme de Pilote é lento, arrastado e parece que nada acontece, para outros, a linguagem é poética e a estética valoriza a ideia da narrativa, com paisagens abertas de neve e closes nos personagens com roupas pesadas, ambos reforçando a sensação de isolamento e solidão, além do peso a da vida. A história trata de valorizar as raízes e a identidade própria em detrimento da tecnologia e da modernidade. Abrir mão do conforto e das facilidades para dar continuidade ao legado. “A Escolha de Maria” é uma metáfora sobre resistência, lealdade e fé.
Filme:
A Escolha de Maria
Diretor:
Sébastien Pilote
Ano:
2021
Gênero:
Drama/História
Avaliação:
8/10
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Fer Kalaoun
★★★★★★★★★★