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Adaptação de best seller de Tom Clancy, thriller de ação com Morgan Freeman e Ben Affleck está na Netflix

Adaptação de best seller de Tom Clancy, thriller de ação com Morgan Freeman e Ben Affleck está na Netflix

Há algo de profundamente curioso em como o cinema americano transforma paranoia em entretenimento, como se o medo coletivo fosse um brinquedo patriótico. “A Soma de Todos os Medos”, adaptação do romance de Tom Clancy, é uma dessas experiências em que o pavor da guerra nuclear se converte em espetáculo visual e moralismo anestesiado. É um filme que sonha com o apocalipse, mas quer que tudo termine em aplausos. E essa contradição, tão típica da cultura política dos anos 2000, é justamente o que o torna interessante, e, paradoxalmente, datado.

A trama gira em torno de Jack Ryan (Ben Affleck), o jovem analista da CIA que precisa impedir uma guerra entre Estados Unidos e Rússia após uma explosão nuclear em Baltimore. É um cenário de horror, mas o filme se comporta como se estivesse numa convenção de suspense diplomático: líderes trocam olhares tensos, botões vermelhos são ameaçados, e o mundo parece prestes a acabar, sempre com um charme de gabinete climatizado. O problema é que tudo soa limpo demais. A destruição, filmada com perfeição quase clínica, não carrega o peso do que realmente representa. A catástrofe é higienizada, o medo é estético, o pânico é parte do espetáculo.

Talvez o equívoco central esteja na tentativa de rejuvenescimento do herói. Ao transformar Jack Ryan num acadêmico de ar inocente e vocabulário técnico, o filme tenta atualizar o arquétipo do agente americano para uma era de inteligência e sensibilidade. Mas o resultado é um protagonista que parece deslocado, alguém que quer salvar o mundo, mas não sabe o que fazer com ele. Affleck, carismático mas sem densidade, encarna mais o tédio da juventude corporativa do que a tensão moral que a narrativa exige. Ao lado dele, Morgan Freeman funciona como a bússola ética e experiente, aquele tipo de presença que confere legitimidade até ao roteiro mais improvável.

O roteiro, aliás, é um curioso documento político. Antes dos ataques de 11 de setembro, o vilão era um grupo de terroristas árabes. Após o trauma nacional, o estúdio preferiu substituí-los por neonazistas europeus, um gesto que revela o pânico moral do momento: falar de terrorismo era perigoso demais, melhor culpar fantasmas do passado. Assim, “A Soma de Todos os Medos” tenta fingir que não é sobre o medo americano, quando tudo nele grita o contrário. O filme é um espelho que recusa refletir.

Phil Alden Robinson dirige com precisão narrativa, mas sem alma. É um cinema que acredita na lógica da eficiência: cortes justos, ritmo medido, tensão dosada. Há um profissionalismo admirável, mas nenhuma centelha de risco. É como se o filme existisse para confirmar que o sistema funciona, inclusive o sistema do medo. A bomba explode, mas o espetáculo permanece intacto. E, no fundo, é isso que o título realmente significa: a soma de todos os medos é a soma de todos os conformismos.

O que há de mais perturbador em ”A Soma de Todos os Medos” não é o enredo sobre a aniquilação do planeta, mas a sensação de que o mundo já estava morto antes da primeira explosão. A paranoia de Clancy, filtrada pelo cinema de estúdio, vira um simulacro de angústia, uma catarse sem consequência. O público assiste à destruição de uma cidade como quem assiste à vitória de um time: entre a emoção e a indiferença, entre o espetáculo e a crença de que nada disso é real.

Há, contudo, um mérito involuntário. O filme captura com precisão o espírito de uma América pré-iraquiana: assustada, moralmente confusa e desesperada por um inimigo que justificasse seu heroísmo. O medo é o combustível de toda narrativa nacionalista, e “A Soma de Todos os Medos” o queima com eficiência publicitária. A cada explosão, há uma reafirmação de pureza; a cada ameaça global, uma promessa de redenção. O fim do mundo é, afinal, uma excelente oportunidade para os Estados Unidos salvarem a si mesmos mais uma vez.

Reassistido hoje, o filme funciona quase como uma cápsula temporal: uma mistura de ingenuidade e arrogância que só o início dos anos 2000 poderia produzir. O terrorismo ainda era um conceito difuso, a internet não havia se tornado o campo de batalha ideológico que conhecemos, e o medo ainda parecia algo que vinha de fora, de algum outro país, outra língua, outro rosto. ”A Soma de Todos os Medos” tenta domesticar esse medo, e, ao fazê-lo, o torna previsível, até confortável.

É curioso pensar que, duas décadas depois, o verdadeiro terror se tornou invisível: desinformação, extremismo, isolamento digital. Nenhum deles exige bombas, apenas crenças. O filme, ao reduzir o pavor a uma questão de mísseis e diplomacia, revela sem querer sua ingenuidade estrutural: a crença de que o perigo pode ser contido se o herói for rápido o suficiente. Hoje sabemos que é justamente o contrário, o perigo mora na lentidão das ideias, no comodismo das certezas.

“A Soma de Todos os Medos” é menos um thriller político do que um tratado sobre a inocência perdida. A tentativa de salvar o mundo, aqui, parece menos urgente do que a necessidade de acreditar que ele ainda vale a pena ser salvo. O filme talvez não saiba disso, mas sua ironia final é brutal: o medo, domesticado, é a forma mais sofisticada de rendição.

Filme:
A Soma de Todos os Medos

Diretor:

Phil Alden

Ano:
2002

Gênero:
Ação/Drama/Guerra/Suspense

Avaliação:

8/10
1
1




★★★★★★★★★★



Fonte

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