“It: Bem-vindos a Derry” parte de uma premissa clara: não se trata apenas de explicar a origem de Pennywise, mas de examinar como uma cidade inteira aprende a coexistir com o horror. A série nova da HBO Max escolhe ambientar sua narrativa décadas antes dos eventos centrais conhecidos, acompanhando um grupo de crianças e adultos que começam a perceber padrões de violência recorrentes em Derry, sempre ignorados ou racionalizados pelas autoridades locais. O mal não surge como exceção, mas como rotina. Desde o primeiro episódio, a trama deixa evidente que a cidade funciona como um organismo que absorve tragédias e segue adiante, produzindo um ambiente onde o silêncio é regra e a memória coletiva é seletiva.
O enredo se estrutura em torno de jovens que investigam mortes aparentemente desconectadas, enquanto figuras adultas, como policiais e líderes comunitários, preferem minimizar os fatos. Essa dinâmica estabelece o eixo moral da série: o verdadeiro terror não está apenas no palhaço, mas na recusa sistemática em agir. A narrativa avança com método, sem pressa, apostando mais na construção de clima do que em impacto imediato.
Personagens, traumas e interpretações
O núcleo jovem sustenta a maior parte do peso dramático. As crianças não são tratadas como heróis em formação, mas como sujeitos frágeis, frequentemente desacreditados e expostos a riscos que não compreendem totalmente. A atuação do elenco infantil convence justamente por evitar excessos. O medo aparece de forma contida, muitas vezes transformado em culpa ou isolamento, o que torna as relações entre eles mais tensas do que sentimentais.
Entre os adultos, o destaque recai sobre Dick Halloran, interpretado por Chris Chalk. Aqui, o personagem é apresentado como um ex-militar dotado do dom psíquico conhecido como o Brilho, recrutado por agentes do governo interessados em localizar a entidade que assombra Derry. A série transforma Halloran em uma figura trágica: alguém consciente do perigo, mas aprisionado por estruturas que enxergam o sobrenatural como ferramenta estratégica. Essa escolha amplia o escopo temático e conecta a história a outros pontos do universo de Stephen King sem reduzir o personagem a uma simples referência.
Mitologia, Pennywise e controle narrativo
Bill Skarsgård retorna como Pennywise com uma abordagem mais econômica. A série entende que o excesso dilui o impacto, optando por manter a criatura muitas vezes fora de cena. Quando aparece, assume formas variadas, explorando medos específicos das vítimas, o que reforça a ideia de que IT é menos uma figura fixa e mais um princípio de destruição adaptável. Essa decisão fortalece a tensão e impede que o palhaço se torne previsível.
A mitologia é expandida de maneira gradual, especialmente nos episódios finais, quando surgem explicações envolvendo ciclos temporais e a relação da entidade com eventos históricos da cidade. Embora algumas dessas revelações reduzam a sensação de mistério absoluto, elas também oferecem uma lógica interna consistente, permitindo que o conflito avance sem depender apenas do desconhecido.
Falhas e limites da execução
Nem todas as escolhas funcionam. O ritmo irregular dos primeiros episódios pode afastar parte do público, e certas subtramas parecem existir mais por obrigação estrutural do que por necessidade dramática. Há também problemas evidentes nos efeitos visuais, especialmente em sequências noturnas e ambientes digitais, que quebram a imersão e enfraquecem momentos decisivos.
Além disso, algumas decisões de personagens, sobretudo em operações envolvendo militares e policiais, soam artificiais. A lógica interna se dobra para atender ao avanço do enredo, criando situações em que erros básicos de estratégia resultam em mortes evitáveis. Esses deslizes não anulam o conjunto, mas expõem fragilidades de roteiro que poderiam ter sido resolvidas com maior rigor.
Um prelúdio necessário
“Bem-vindos a Derry” não supera os filmes de 2017 e 2019 em impacto imediato, mas oferece algo diferente: uma análise prolongada do medo como estrutura social. Ao tratar o horror como resultado de omissão coletiva, a série encontra relevância além da mitologia do palhaço. Mesmo com problemas técnicos e oscilações narrativas, o desfecho estabelece bases sólidas para continuar explorando o passado da cidade, sugerindo que o verdadeiro inimigo de Derry talvez nunca tenha sido apenas Pennywise, mas a disposição de seus habitantes em aceitar o inaceitável.
Filme:
It: Bem-Vindos a Derry
Diretor:
Jason Fuchs, Andy Muschietti e Barbara Muschietti
Ano:
2025
Gênero:
Drama/Fantasia/Terror
Avaliação:
10/10
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Fernando Machado
★★★★★★★★★★

