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Conto de fadas sombrio de M. Night Shyamalan, pouco lembrado pelo público, está na Netflix

Conto de fadas sombrio de M. Night Shyamalan, pouco lembrado pelo público, está na Netflix

M. Night Shyamalan construiu sua carreira apoiado em um paradoxo incômodo: tornou-se conhecido por controlar expectativas do público e, ao mesmo tempo, prisioneiro delas. “A Visita” surge como um movimento de retração consciente após anos de produções infladas e resultados erráticos. Aqui, o diretor reduz a escala, abandona grandes efeitos e concentra o foco em uma situação doméstica, quase banal, que ganha densidade pela progressão dramática. A escolha não é estética por capricho, mas estratégica. O filme busca recuperar uma relação direta com o espectador, baseada em observação, tempo narrativo e economia de recursos.

A história acompanha Becca, interpretada por Olivia DeJonge, e seu irmão Tyler, vivido por Ed Oxenbould, enviados para passar uma semana com os avós em uma fazenda isolada na Pensilvânia. A mãe, afastada dos próprios pais há mais de quinze anos, decide permitir o encontro mesmo sem retomar o vínculo. A premissa já carrega uma falha lógica evidente, mas Shyamalan não tenta disfarçá-la. Ele depende dessa decisão questionável para estabelecer o desconforto inicial e acelerar a exposição dos personagens a um ambiente que, desde os primeiros dias, opera fora da normalidade.

Dinâmica familiar e tensão crescente

O roteiro estrutura o conflito por meio de pequenas rupturas comportamentais. Os avós, vividos por Deanna Dunagan e Peter McRobbie, impõem regras estranhas, horários rígidos e atitudes que oscilam entre o constrangimento e a ameaça. Becca reage com cautela e desconfiança, registrando tudo em vídeo como parte de um projeto pessoal. Tyler responde de forma oposta, usando humor, provocações e comentários impróprios como mecanismo de defesa. Essa diferença de postura cria uma tensão interna constante entre os irmãos, que reforça a instabilidade do ambiente.

Ed Oxenbould sustenta grande parte do ritmo narrativo. Tyler funciona como eixo de contraste entre o medo e o riso, alternando momentos de genuína vulnerabilidade com cenas em que ironiza o perigo iminente. O humor não suaviza a ameaça, apenas desloca sua percepção. Em uma sequência, o terror domina; na seguinte, o riso surge quase como afronta ao próprio medo. Essa oscilação não é acidental, mas calculada para impedir qualquer acomodação emocional do espectador.

A lógica do suspense e o peso da revelação

Shyamalan constrói o suspense com progressão linear e poucas distrações. O isolamento geográfico, o número reduzido de personagens e a repetição de comportamentos anômalos criam um ambiente de vigilância constante. Quando a revelação central ocorre, fica claro que Becca e Tyler nunca estiveram com seus verdadeiros avós. Os idosos são pacientes fugitivos de uma instituição psiquiátrica, responsáveis pelo assassinato do casal original, mantido oculto no porão da casa. A descoberta altera o tom do filme, que abandona a ambiguidade para assumir um confronto direto.

A reviravolta não depende do fator surpresa absoluto, especialmente para quem conhece a trajetória do diretor. Seu impacto está na reorganização retrospectiva das cenas anteriores, que passam a operar sob uma lógica mais concreta. Ainda assim, o desfecho opta por uma resolução rápida, com a chegada da polícia e o reencontro com a mãe, evitando consequências psicológicas mais profundas para os protagonistas. Essa escolha enfraquece o peso moral da experiência vivida.

Limitações conscientes e alcance real

“A Visita” não pretende reabilitar integralmente a imagem de Shyamalan, tampouco dialogar com o status que ele já ocupou. O filme aceita suas próprias restrições e trabalha dentro delas com disciplina narrativa. Há decisões simplificadoras, personagens que poderiam ser mais explorados e um encerramento que prioriza eficiência em detrimento de complexidade emocional. Ainda assim, o conjunto revela um diretor atento à estrutura e ao impacto de cada cena.

Ao recuar da grandiosidade e apostar em um suspense doméstico, Shyamalan demonstra compreender melhor seus próprios limites. O resultado não é um triunfo incontestável, mas um exercício de controle raro em sua filmografia recente. “A Visita” se sustenta menos pela originalidade da ideia e mais pela clareza de execução, confirmando que, quando reduz o alcance e ajusta as ambições, o diretor ainda é capaz de conduzir uma narrativa funcional, tensa e, em certos momentos, perturbadora.

Filme:
A Visita

Diretor:

M. Night Shyamalan

Ano:
2015

Gênero:
Mistério/Suspense/Terror

Avaliação:

8/10
1
1




★★★★★★★★★★



Fonte

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