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Se ainda não viu, veja já: astro de Oppenheimer e Peaky Blinders está num dos melhores filmes de 2025 na Netflix

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Num internato masculino ameaçado de fechamento, um diretor atravessa 24 horas decisivas: precisa evitar a extinção do projeto, segurar conflitos entre alunos e funcionários e convencer financiadores céticos de que ainda há sentido em manter o lugar aberto. “Steve”, de Tim Mielants, traz Cillian Murphy no papel-título e Jay Lycurgo como um dos jovens mais instáveis, com Tracey Ullman em presença marcante, e adapta o livro “Shy”, de Max Porter. A narrativa segue a rotina comprimida por prazos, telefonemas e visitas oficiais, enquanto decisões urgentes se acumulam e a paciência cotidiana vira único escudo possível.

A partir desse recorte temporal, o filme acompanha a circulação entre salas, corredores e pátios, sempre marcada por chamadas, reuniões impacientes e tentativas de mediação. A escola não aparece como cenário neutro, mas como organismo cansado, onde cada porta emperrada e cada lâmpada oscilante lembram um orçamento no limite. Sem detalhar antecedentes de todos os alunos, a história deixa ver trajetórias de família interrompidas, passagens por abrigos e a sensação de que qualquer deslize administrativo serve de pretexto para encerrar o experimento pedagógico. O risco materializa-se em números, relatórios e metas, e a soma de pequenas urgências toma o lugar de um conflito único.

Cillian Murphy dá a Steve uma concentração silenciosa que não esconde desgaste. O ator trabalha hesitações, olhares curtos e um tipo de cortesia que cede terreno quando a pressão cresce. O personagem registra cada ofensa burocrática como um arranhão e guarda uma disponibilidade cuidadosa para com os rapazes, mesmo quando o dia o empurra para decisões amargas. Jay Lycurgo compõe um adolescente dividido entre o impulso e a vontade de permanecer ali, sustentando uma inquietação física que nunca vira caricatura. Quando os dois estão em quadro, o filme encontra seu eixo: a convivência é um exercício de paciência e risco calculado, no qual confiança se constrói em passos mínimos.

Mielants aposta em recursos de observação que aproximam o público da rotina institucional. A câmera prefere planos mais longos e deslocamentos contínuos, às vezes com sobrevoos que mapeiam o espaço, às vezes com proximidade que aperta diálogos que pedem calma e prazos. Em alguns momentos, a ambição formal chama para si uma atenção que prejudica o retrato do trabalho miúdo. Quando esse impulso cede e o registro se concentra em rostos e vozes, a narrativa ganha clareza e o filme encontra o tom que melhor lhe cabe: o da escuta atenta.

A fotografia recorre a cores desbotadas e luz fria, reforçando a ideia de prédio exaurido. O som trabalha portas, passos e sons de sala, como se cada deslocamento contabilizasse desgaste. A trilha evita comentários fáceis e aparece de modo parcimonioso, deixando que as pausas falem. Desse desenho resultam passagens em que um pedido de desculpas tímido pesa mais que explosões ou confissões. Há atenção ao tempo que as conversas requerem, ao atraso entre um ato agressivo e a possibilidade de reparo, à maneira como um cuidado banal abre espaço para o dia seguinte existir.

A dramaturgia comprime eventos para manter o relógio apertado. O efeito imediato é a sensação de sufoco, coerente com o colégio sob inspeção. O risco está no acúmulo de incidentes em sequência, que por vezes reduz a margem para o observacional. Em ocasiões assim, a tensão seria melhor servida por uma pausa, um relatório lido até o fim, um corredor percorrido em silêncio. A obra ainda encontra seus melhores registros quando privilegia a rotina com seus tropeços e pequenos acertos, porque a sobrevivência institucional depende desses gestos, não de cenas barulhentas.

Há um comentário social claro e lastreado na concretude: o internato surge como recurso derradeiro de uma rede pública em cansaço, os meninos carregam etiquetas que facilitam a punição e dificultam a permanência, e os adultos acumulam funções demais. A escola vira espaço onde se tenta evitar que biografias virem estatística. O roteiro não idealiza educadores nem demoniza a burocracia, mas demonstra como relatórios deslocam responsabilidade e como decisões externas empurram para soluções improvisadas. Esse contexto não aparece em frases de efeito, e sim na materialidade do dia que não termina.

Nas atuações, os coadjuvantes formam um conjunto sólido de escuta. Professores e funcionários variam entre firmeza e cansaço, criando a impressão de uma equipe que aprendeu a responder ao incêndio com baldes pequenos. Quando surgem visitas de fora, o choque entre linguagem de planilha e realidade de convivência cria atritos discretos que iluminam as dificuldades do trabalho. Em vez de transformar a escola em tribunal ou palco, o filme insiste no esforço de manter as portas abertas, mesmo quando a recompensa é apenas a continuidade possível.

No trecho de maior intensidade, a mise en scène inclina-se para efeitos visuais mais vistosos. O movimento amplia a sensação de caos, mas também ameaça deslocar o foco que até então se mantinha na rotina. Ainda assim, a narrativa retorna ao eixo nos minutos seguintes, retomando o interesse pelo detalhe humano e pela paciência, que é a única moeda capaz de comprar tempo para quem ainda não teve chance de escolher.

Ficam falhas reconhecíveis: gosto por recursos que chamam atenção sem necessidade, subtramas comprimidas pela pressa, tentação de falar alto quando o drama pede a coragem de calar. Ficam também virtudes consistentes: direção interessada no trabalho miúdo, interpretações contidas e bem calibradas, observação de uma realidade pouco filmada sem exotismo. “Steve” olha para um cotidiano que costuma ficar fora de quadro e registra o que acontece quando uma instituição depende de decisões tomadas a cada cinco minutos. O que se vê aponta para consequências que podem durar muito mais que um dia.

Filme:
Steve

Diretor:

Tim Mielants

Ano:
2025

Gênero:
Comédia/Drama

Avaliação:

9/10
1
1




★★★★★★★★★



Fonte

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