Por trás das paredes das casas dos subúrbios americanos passam-se as situações mais bizarras. Gestos contidos, conversas abafadas, sentimentos ocultos vão se acumulando até corroer qualquer sinal de harmonia. Nesse ponto, pequenas fissuras são o prenúncio de um cataclismo, e o que há até pouco tempo costumava ser um lar transforma-se num campo de batalha. Famílias escamoteiam rancores atávicos e sufocam desejos torpes, criando a espiral de paranoia que varre tudo. Os pactos sociais dobram-se aos apetites, e num piscar de olhos o castelo desmorona. “Pecados Íntimos” é um dos retratos mais incômodos da vida pequeno-burguesa nos Estados Unidos. Todd Field adapta “Criancinhas” (2004), o romance de Tom Perrotta, junto com o próprio escritor e a dupla tece uma crônica pessimista sobre o poder da opressão, uma tirana tão inclemente quanto vil.
“Pecados Íntimos” é um filme estranho com personagens assustadores. A luz delicada da fotografia de Antonio Calvache banha cenas em que quase nada é o que parece, e as cores, sempre esmaecidas, acentuam o marasmo de tudo quanto se vê. Há uma bruma de doença e maldade contaminando o ar da Nova Inglaterra que Perrotta traz das páginas de seu livro, e aos poucos vai-se entendendo o que precisa dizer. Na primeira sequência, o narrador conta que Ronnie J. McGorvey, o abusador de crianças interpretado por Jackie Earle Haley, acaba de sair da cadeia, e pode outra vez andar por toda a cidade, inclusive ir até o parquinho onde fora pego exibindo-se para meninas de cinco anos. Uma angústia igualmente incômoda extravasa da tela quando Brad Adamson, o antigo Rei do Baile, passa a frequentar o espaço junto com o filho, Aaron. As donas de casa da vizinhança que também vão ao parquinho com sua prole ficam ouriçadas, mas só uma chega perto dele.
O flerte entre Brad e Sarah Pierce talvez seja mais infantil que as brincadeiras de Aaron e Lucy, a filhinha de Sarah, mas transgressora o bastante para marcar de uma vez por todas a divisão entre as mães do parquinho. Sarah é uma ex-acadêmica com mestrado em literatura que abandonou a carreira para cuidar da filha e do marido, Richard, e agora é uma criatura frustrada, raivosa, em busca de qualquer sensação que a faça esquecer sua rotina modorrenta. Essa Madame Bovary da pós-modernidade se interessa tanto pelo vizinho porque estão os dois no mesmo barco.
Brad é casado com Kathy, a anti-Sarah, intolerante a erros, perfeccionista, certa de que priorizar o trabalho, o filho e, quando sobra-lhe tempo, o marido, é o como uma mulher adulta deve agir. Kate Winslet e Patrick Wilson emprestam a Sarah e Brad uma aura falsamente diabólica, como se fossem criminosos só por se arrependerem das escolhas da juventude. Sob um outro ângulo, Field ataca o puritanismo e a ineficácia das leis e das autoridades na figura de Larry Hedges, um justiceiro que arregimenta pais de família para caçar Ronnie, e Noah Emmerich oferece bons momentos. O grande pecado mesmo é Jennifer Connelly ser reduzida a mera coadjuvante de luxo; Kathy explica muito do tal mal-estar da civilização descrito por Freud. Pena que Todd Field não tenha conseguido explicitá-lo como deveria.
Filme:
Pecados Íntimos
Diretor:
Todd Field
Ano:
2006
Gênero:
Drama/Romance
Avaliação:
7/10
1
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Giancarlo Galdino
★★★★★★★★★★