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Os 11 maiores atores da história do cinema: a seleção suprema

Os 11 maiores atores da história do cinema: a seleção suprema

Montada na estrada, depois de deixarmos uma cidade fantasma, esta seleção de onze atores adota a gramática do futebol: o 4-3-3 como ferramenta crítica para posicionar temperamentos de tela em funções de jogo, quem ancora, quem organiza, quem rasga espaço. Curadoria de Ademir Luiz (historiador e professor de cinema) e Solemar Oliveira (físico e escritor), ela considera impacto histórico, amplitude de registro, precisão técnica, potência de imagem e a capacidade de alterar o tempo interno de um filme. Aqui o 4-3-3 é mapa de triângulos responsáveis; não é ranking, é encaixe posicional. A partir daqui, a estrada, uma rádio AM e um cardeal ajudam a fechar a escalação.

A estrada ruminava. O carro, aquário portátil de hipóteses, levava Ademir Luiz e Solemar Oliveira para longe de um lugar que, horas antes, fingira não existir. O mundo ainda tinha o tom vermelho da véspera; no retrovisor, mulas pastando como notas de rodapé; no ar, uma rádio AM atravessando tudo como poeira antiga. Era a hora de fechar a lista e também a hora de desconfiar da memória.

Tudo o que não cabia em mapa acontecera lá. Na farmácia da praça, a vendedora prometia prodígios e, por garantia, testava no próprio corpo antes de entregar: tônico para pernas leves, creme que domava joelhos teimosos. Comprava-se, ela experimentava. Ao lado, uma moça nariguda informava, com solenidade de edital, que não podia conversar porque precisava casar virgem. Num terreno vizinho, uma exposição de carros antigos reluzia como memória cromada; ninguém sabe se foi sonho ou propaganda, as fotos saíram tremidas como álibis. No bar, a garçonete dizia, com a naturalidade de quem dá troco certo, que às vezes virava lobisomem. Agora, no asfalto, restava a dúvida: reminiscência, realidade, Campari trabalhando horas extras.

No banco de trás, o mascote de onze anos cuidava da bússola moral. Sempre que o celular morria, a inteligência acendia. “Esse aí é desumilde”, decretava, folheando rostos como quem lê cartas. “Lateral bom olha antes de correr.” “Goleiro manda na sombra.” Telefone carregado, silêncio; telefone morto, oráculo. Estatística pequena, pontaria cruel.

A lista nasceu no caminho de volta. Ademir puxou a escalação pela História: o 4-3-3 é filho de revoluções discretas, uma república de passes em que o herói solitário cede o trono a triângulos que respiram; cada posição carrega a memória de uma época, de reformas e dissidências. Solemar tratou do gramado com Física de bolso: conservação da quantidade de movimento nos contra-ataques; princípio da mínima ação no penúltimo passe; entropia reduzida por volantes que fecham ângulos e abrem probabilidades. O campo, dizia, é laboratório plano; cada corredor tem curvatura moral; todo desarme respeita leis que não precisam de hino.

A rádio AM voltou a existir sem pedir licença, voz de válvula narrando gols de outra década, como se o lugar enviasse bilhetes tardios. Na mesma toada, a estrada ofereceu um cardeal de sotaina leve e sorriso curto pedindo carona. No banco da frente, contou que estivera no conclave que elegeu o Papa Francisco e descreveu a espera da fumaça como quem comenta linha de impedimento: preto, preto, branco; respira; júbilo. Ouviu sobre coberturas e diagonais e devolveu teologia tática com um aceno: fé é ocupar o vazio antes que o perigo exista; cobertura é acreditar no passe que ainda não veio. Anotaram; valia para o Vaticano e para o lateral-direito.

Foi já com a prancheta quase fechada que o telefone de Ademir tocou. Do outro lado, um grande poeta brasileiro sugeria que aquele lugar pudesse ser, com outro nome, a Manarairema do romance “A Hora dos Ruminantes”, de José J. Veiga; dizia também que Rubem Braga o teria fixado em crônica nos anos 50. A hipótese não exigia prova; bastava o parentesco de clima. A viagem ganhou um pé literário que explicava o pó.

Entre lembranças e sinais, a escalação desceu para o papel com leveza de coisa séria. Goleiro com vocação de oráculo calculando sombreamento como quem prevê eclipses. Zagueiros cancelando vetores sem levantar a voz. Volantes afinando o metrônomo do meio-campo e acalmando a ansiedade da matéria. Um meia que altera a energia potencial do lance com um toque que parece simples. Pontas dobrando a luz em diagonais que fabricam espaço. O nove impondo gravidade na área e ensinando a bola a cair no lugar certo. O cardeal aprovou com um aceno breve. O mascote, com a bateria morrendo, encerrou a discussão: faltava generosidade nesse banco. Duas peças se moveram e três problemas desapareceram.

Se foi alucinação de Campari num ponto do mapa onde mulas pastam como notas de rodapé e a literatura teima em morar, ótimo. Se foi apenas bossa com rigor, melhor ainda. O que fica é verificável: triângulos que respiram, um time que respeita leis invisíveis e uma história leve o bastante para fazer rir e sólida o bastante para parecer verdade. O resto se decide em campo e, com sorte, em frequência AM.



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